terça-feira, 13 de maio de 2008

Uma juventude como nenhuma outra

Algum dia da semana passada, não lembro se quarta ou quinta, havia subido a rua da Consolação, como de costume, para pegar o ônibus na Paulista, no ponto novo, recém-inaugurado, entre o Bob´s e um canteiro com uma árvore gigante. Aliás, lugar super apropriado para se colocar um ponto de ônibus. Mas tudo bem, quem se importa, as calçadas já estão asfaltadas mesmo.

Mas a história que eu vou contar aconteceu antes de eu atravessar a avenida. Estava indo em direção à banca em frente ao Conjunto Nacional quando uma movimentação estranha ali mesmo me chamou atenção. Estranha em termos, porque ver PMs abordando engraxates, motoboys e mordores de rua só por isso já virou recorrente.
Agora lembrei, tinha ido até a banca para acender o meu cigarro, que subiu a consolação inteirinha entre os meus dedos, apagado.

Na cena, três pessoas: dois PMs e um engraxate.
Dos policias, um era bem alto e falava grosso, desses que ficam maiores ainda quando estão de farda; o outro, mais baixinho e gordinho, de expressão mais humana. O engraxate dizia que nada tinha a perder e que não aceitaria passar pelo constrangimento de levantar os braços de costas para o vai-e-vém sem motivo.
E perguntava o motivo. Depois de um tempo, ele cismou e queria saber o motivo de qualquer jeito.

Claro, aquele enfrentamento não estava nos planos da abordagem dos PMs. Resultado, os guardas pegos desprevenidos reagiram um de uma forma, outro de outra.
O mais alto engrossou e a cada passo que dava falava mais alto, com mais autoridade. Àquela altura do campeonato, já virara questão de honra. O mais baixo cumpria o papel da turma do "deixa disso" e tentava controlar a situação que já fugia do controle, afinal, o ele queria o motivo.

E de repente, o engraxate já não fazia mais parte da cena e o que a av. Paulista assistia era a uma discussão entre duas pessoas, diferentes, unidas pelas farda e colocadas como parceiros na ronda metropolitana. E que num contexto de tensão, apesar da aparente banalidade, os conflitos, as idéias, os valores e os sonhos ficam à flor da pele, a um ponto que nada, nada, nada mais é banal.
Eu vi ali, pessoas reagindo, que tranquilamente podiam estar sem farda, reveladora:
:
1. Inacreditável como o que fazemos é determinate na visão social que é construída inconscientemente sobre nós.
A farda, no caso, descaracteriza e despe a pessoa de qualquer subjetividade, como se aqueles corpos que sustentam a maldita farda fossem produzidos em série para funcionar, agir, reagir e responder da mesma forma a toda e qualquer situação.

2. O impacto que a farda tem sobre nós também é inacreditavel. Se fosse eu no lugar do engraxate, provavelmente não teria enfrentado com tanta força a farda.

3. A maioria dos que a vestem contam com esse impacto. No momento em que foram peitados, saíram dos trilhos.

Lembrei do filme "Uma juventude como nenhuma outra" que retrata o dia-a-dia de duas jovens submetidas ao serviço militar - obrigatório - em Israel.
Quase a mesma situação, uma delas, sionista, insistia em realizar a revista em pessoas "suspeitas" - como ditavam as regras - ao passo que a outra estava lá por não ter opção e sempre que podia, burlava a lei.
Um belo filme que procura expor aquelas pessoas como algo que transcenda o que elas fazem. Não que uma coisa não tenha nada a ver com a outra. Mas serve para nós, que achamos que sabemos de tudo, onde qualquer comentário de observasdor pode virar tese, que a dinâmica não é tão simples assim - pá, pum. E que deve haver muita vida por trás do que nos parece uma vida inteira.

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