terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Ode ao último encontro

Sem dúvida a cultura cumpre um papel muito importante em cada eu particular no lidar com as coisas. É ela que determina aquele fator comportamental comum, que se faz recorrente em pessoas que não por isso deixam de contemplar aspectos absolutamente subjetivos e, por isso, incomparáveis. Esse fator comportamental comum tem tudo a ver sobretudo com espaço e tempo.
No entanto, não é dele que eu quero falar. Quero falar do Erick.
Vou partir do dítame cultural apenas como pressuposto de que determinados valores acabam sendo propagados e absorvidos como verdades absolutas e nesse sentido a conduta diante deles acaba sendo igualmente previsível.
Diferente da cultura islâmica, por exemplo, no ocidente vulgarmente globalizado, da auto-morte não se tiram méritos ou valores ligados à coragem e martírio.
O suicídio é condenado e não cabe aqui analisar se tal postura crítica frente é certa ou errada. Culturalmente é assim e toda ação gera uma reação.
A morte é perda, o suicídio é pecado.
Frente a eles, a minha reação era única: a negativa. Negar e não realizar o fato racionalmente, sobretudo quando quem parte não faz parte da minha vida cotidiana: Não via, continuo não vendo. Deve estar vivo, em algum lugar, fazendo alguma coisa.
A questão é que diante da morte eu viro estátua. Diante do suícidio eu não creio. E ponto.
Não sei lidar e penso que não suportaria uma perda trágica e jovem de perto.
Ontem sonhei com o Erick, que se foi há cerca de um mês, um mês e meio, não sei exatamente. Não éramos próximos, mas existia como uma ponte de carinho, distante, que nos ligava toda vez que nos encontrávamos.
No colégio, ele estava uma série abaixo de mim. Ele queria ser médico e sempre trazia nos olhos um brilho particular. Mais marejado que os demais e talvez mais sincero, com um quê de tristeza, mas extremamente radiante. Daqueles que não se deixa de notar. O sorriso - tão tímido - também era constante.
Sentia que de alguma forma aquele menino precisava explodir. Penso que de tão complexo ele era simples demais para suportar esse mundo estranho. Não sei. Tudo que escrevo vem da minha cabeça e da lembrança que guardo dele.
O penúltimo encontro foi em uma festa, dessas que acontecem todos os anos, grandes. Eu o encontrei e tivemos uma conversa breve, mais por mim do que por ele. Tive pressa, não sei porque e também não quero saber. Apenas me arrependo.
O último foi ontem, no sonho, quando ele me disse que agora era um anjo e respondeu a minha pergunta dizendo que sim, que ser anjo era bom, com o mesmo sorriso tímido e os mesmos olhos marejados de brilho.
Eu acreditei e comecei a pensar que a morte, como tudo, há de ter suas razões para existir.
E que a cultura, ah, certamente que não é a cultura que sabe o que é ter e perder alguém.