sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Cheiro de baunilha

Ontem foi minha primeira vez. No império.
Passados mais de ano de resistência, por, claro, trabalhar numa empresa onde a demanda de ir para lá sempre foi real, ontem não resisti. Não pude. Fui escalada para trabalhar em um desfile dos grandes, o primeiro da história da marca a ser realizado no Brasil. Tanto glamour não poderia ter como palco em outro lugar que não no império - sim, porque aquilo é de fato um império - do consumo e da imagem.
Não que ele não tenha o direito de existir e, afinal de contas, quem sou eu para decidir se algo deveria ou não ter o direito de contiuar com sua sobrevida? No entando, não posso deixar de manifestar a minha falta de compreensão em relação a esse universo que socialmente não tem espaço em frente à marginal do rio Pinheiros - sujo - mas que também não quer saber se tem ou não. Eles compram e pronto.
O batom vermelho coloria lábios milimetricamente desenhados em laboratórios. Todas iguais, bocas iguais, discursos (ou não-discursos) iguais. Sorrisos idênticos, alguns mais sinceros, mas todos para inglês ver. Ora, eles são ricos, bonitos, VIPs e fotografáveis! São felizes e por isso, sorriem. Há os que nem precisam fazer força, a boca não fecha.
Arrisco aqui um comentário que pode soar como pura prepotência e arrogância, mas não é essa a intenção. Claro, não pretendo a imparcialidade, apenas tomo cuidado e procuro deixar bem claro que a imagem me incomoda, porque prezo a diferença e a diversidade. Mas não é nem essa a questão. Falo assim por não respeitar quem não respeita o garçom, a mocinha da limpeza ou da assessoria de imprensa. Em qualquer nível não tolero falta de respeito. E desrespeitar na minha opinião é diferente de não respeitar. Ainda que eu não os respeite, não os desrespeitarei, jamais.
A essa altura do texto já estou um pouco mais inflamada do que quando comecei a escrevê-lo. A minha idéia era só de contar a minha experiência quase antropológica, mas já descambei para o protesto que vem da indignação de sair de lá e no primeiro farol me deparar com um menino magro de pouco comer, fazendo malabares. De lá de dentro, a sensação é que a fantasia é o mundo real. Tudo é perfeito e nada pode estragar o show. Nada, e de fato não estraga. E essa sensação aliada ao cheiro de baunilha dos corredores, elevadores e banheiros é desesperador. A minha vontade era subir em alguma cadeira e acenar para o mundo lá fora. Para as guerras civis na África, para as eleições que vem aí, para a situação dos hospitais públicos, para a fila diária de idosos que vão buscar suas aposentadorias, para o Oriente Médio, ou simplesmente para o menino que embora não estivesse a mais de uma esquina de tudo aquilo, estava mais longe que a Lua.
Pronto, falei.

Um comentário:

Unknown disse...

quanto pensamento, Deborah.
você sabe, pensar demais causa rugas!